segunda-feira, 12 de março de 2018

Emma Goldman, Alexander Berkman, e o anarquismo do fim do século XIX e começo do século XX



Emma Goldman, Alexander Berkman e o anarquismo do final do Século XIX e início do Século XX:

O Anarquismo é um movimento filosófico e social que se opõe ao controle social feito pelo Estado e também a todo tipo de dominação das pessoas. Ele engloba diversas correntes de pensamento. Durante cerca de 100 anos os anarquistas dominaram a cena política e os protestos sociais na Europa e também nos Estados Unidos. Os primeiros escritores, sociólogos, filósofos, e políticos que desenvolveram as primeiras ideias anarquistas, começaram os seus trabalhos na segunda metade do século XIX, e tiveram um papel muito importante no meio dos trabalhadores, sindicalistas, estudantes, libertários e intelectuais que agitavam as lutas políticas e populares de uma sociedade que estava surgindo por causa da Revolução Industrial.

Nesta época, a burguesia estava no comando do governo nos EUA e nos principais países da Europa, e o socialismo ainda estava criando a sua ideologia e iniciando as suas primeiras lutas trabalhistas e operárias. Escritores, sociólogos, filósofos e vários outros pioneiros famosos do anarquismo, tais como Proudhon, Bakunin, Kropotkin, Malatesta, e muitos outros, ergueram os pilares de sustentação desta ideologia libertária, e agitaram a rica cena política desta sociedade industrial mundial, que se transformava muito rapidamente.
Foi neste contexto histórico, e dentro deste caldeirão social, que apareceu um casal de jovens anarquistas atuantes que muito contribuíram para que o anarquismo se difundisse no meio dos operários e do povo que iriam formar a sociedade mundial do começo do Século XX. Estamos falando de Emma Goldman e Alexander Berkman, dois jovens que nasceram na Lituânia e imigraram para os EUA, quando ainda eram adolescentes. Eles viveram uma vida conturbada, repleta de aventuras, viagens, lutas, prisões e sofrimentos, tudo em prol dos ideais anarquistas, conforme ficaremos sabendo a seguir.

Emma Goldman foi uma livre pensadora, uma mulher rebelde, uma ativista anarquista que escreveu vários livros e fez muitas palestras e discursos, para milhares de trabalhadores americanos e europeus, durante o final do século XIX.
Alexander Berkman foi um escritor e agitador anarquista, que nasceu na Lituânia e imigrou para os EUA em 1888, quase na mesma época da Revolta de Haymarket, um grande tumulto que aconteceu em Chicago, envolvendo sindicalistas, trabalhadores grevistas e vários policiais. Nesta revolta morreram várias pessoas, e o fato causou comoção em todo o país.
Emma Goldman nasceu em junho de 1869, na cidade de Kaunas, no interior da Lituânia, no seio de uma tradicional família de judeus ortodoxos, com costumes rígidos. Quando Emma tinha sete anos, sua família mudou-se para a Alemanha, onde ela completou os seus estudos do primário.
Família de Emma. Ela aparece em pé, no canto esquerdo

Seu pai era autoritário e de vez em quando lhe batia. Posteriormente, sua família mudou-se para a Rússia, para a cidade de São Petersburgo, capital da Rússia, onde ela passou a fazer os seus primeiros contatos com grupos de anarquistas. Seu pai era muito antiquado e não permitiu que ela estudasse no Ginásio, motivo pelo qual ela teve que se educar sozinha.
Foi nesta época que Emma leu o livro do escritor russo Nicolay Tchernyshevsky chamado “Que fazer?”. Este livro foi muito famoso por exercer influência sobre toda uma grande geração de jovens russos daquela época, inclusive Vladimir Lenin, que o leu cinco vezes num único verão! Também influenciou Karl Marx, que muitos afirmam que aprendeu russo somente para poder ler este livro! Emma se inspirou em Vera, uma das protagonistas deste livro, que abandona a sua família repressora para viver livremente e montar uma cooperativa de costura.
Livro "Que fazer?"

Assim, seguindo o exemplo da sua heroína Vera, Emma resolveu abandonar sua família e, em 1885, com apenas 16 anos, partiu para viver nos EUA, na cidade de Rochester, onde já morava Lena, a sua irmã casada.
Depois de um ano, os pais de Emma, mais o resto da sua família, também vieram morar em Rochester, no Estado de Nova Iorque, nas margens do Lago Ontario, para fugir do antissemitismo, que começava a crescer em São Petersburgo.
Em Rochester Emma começou a trabalhar na indústria têxtil, onde conheceu o seu primeiro marido, o jovem Jacob Kershner, com quem se casaria, quatro meses depois, para ir viver com a família dele. Mas, Jacob era impotente, e o casamento durou apenas cerca de um ano. Emma se separou, mas continuou legalmente casada com Kershner, somente para garantir a sua cidadania americana.
Infelizmente, Emma não foi mais aceita na sua família de Rochester, o que a obrigou a partir para tentar a sorte na capital do estado, na grande metrópole de Nova Iorque!
Emma na época em que conheceu Berkman

Ao chegar em Nova Iorque, Emma foi direto procurar os libertários e anarquistas que se reuniam no Café Sachs, onde ela conheceu, no ano de 1889, os dois homens que mudariam a sua vida para sempre: Alexander Berkman e Johann Most.
Alexander Berkman nasceu em Vilnius (Vilna), capital da Lituânia, em novembro de 1870, no seio de uma rica família de judeus, que também se mudaram depois para a cidade de São Petersburgo, capital da Rússia. Seu verdadeiro nome era Ovsei, e o seu apelido familiar era Sacha. Alexander completou os seus estudos do Ginásio na cidade de São Petersburgo, tendo se interessado pelos anarquistas na mesma época do atentado à bomba que matou o czar russo Alexandre II, em 1881.
O irmão da sua mãe, seu Tio Mark Nathanson, foi um dos fundadores da sociedade revolucionária secreta russa “Terra e Liberdade” e, mais tarde, foi condenado ao exílio pela Justiça Russa, por causa das suas atividades revolucionárias. 
Mark Natanson

Logo em seguida, quando Alexander tinha apenas 12 anos de idade, o seu pai faleceu. A família ficou sem o patriarca, passou por dificuldades, e eles tiveram que se mudar para Kovno, segunda maior cidade da Lituânia. 
Em Kovno, Alexander se juntou a um grupo de leitura e discussão de livros e obras revolucionárias. Ele também imprimia as suas ideias subversivas e antirreligiosas e as distribuía para os colegas da sua escola.
Quando Alexander completou 18 anos, sua mãe também faleceu, e o seu tio Nathan passou a ser o responsável por ele. Nesta época, Alexander leu o famoso livro de Nikolay Tchernyshevsky, chamado “Que fazer?”. Este livro influenciou muito os socialistas e anarquistas jovens daquela época. Alexander passou a se identificar com Rakhmetov, o personagem principal do livro, que se sacrifica em busca de um ideal. Este famoso livro foi traduzido para a língua portuguesa somente em 2015, por Angelo de Oliveira Segrillo, doutor em história e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Alexander quando conheceu Emma


Quando seu irmão viajou para estudar na Alemanha, Alexander foi junto. Da Alemanha, Alexander imigrou para Nova Iorque, nos EUA. Quando chegou nos Estados Unidos, em 1888, Berkman não sabia falar inglês e não conhecia ninguém. Porém, logo fez amizade com os grupos de anarquistas que estavam contra o enforcamento dos condenados pelo atentado à bomba que ocorreu na Revolta de Haymarket, em maio de 1886.
A Revolta de Haymarket foi um trágico acontecimento, ocorrido na cidade de Chicago, em 04/05/1886, quando os trabalhadores e os anarco-sindicalistas, que lutavam pela jornada de trabalho de oito horas, entraram em choque com a polícia, e uma bomba foi lançada no meio da multidão. 
Ilustração da Revolta de Haymarket

A bomba explodiu matando um policial, alguns manifestantes, e ferindo várias pessoas! A polícia respondeu atirando contra os manifestantes, matando 11 trabalhadores e ferindo vários outros.
A culpa pelos acontecimentos em Chicago foi colocada em oito anarquistas, que foram presos no local e levados para julgamento. Cinco destes anarquista, mesmo sem provas, foram condenados à morte, mas, um deles suicidou-se antes da execução. Um dos quatro anarquistas enforcados foi Albert Parsons, fundador da Associação Internacional dos Trabalhadores.
Durante a segunda reunião da Associação Internacional dos Trabalhadores, que aconteceu em Paris, no ano de 1889, com delegações de 20 países, em homenagem às vítimas destes tristes acontecimentos, decidiu-se promulgar o dia 01 de Maio como sendo o dia internacional da luta pela jornada de oito horas de trabalho. Mais tarde, esta data foi adotada como o Dia do Trabalho em vários países do mundo, inclusive no Brasil.
Enforcamento dos mártires de Chicago

Alexande Berkman também ingressou no primeiro grupo de anarquistas judeus dos EUA, chamado “Pioneiros da Liberdade”, e que muito ajudou na formação dos primeiros sindicatos de trabalhadores judeus de Nova Iorque. Alexander também passou a trabalhar como tipógrafo no jornal do orador e anarquista Johann Most. Most era um propagandista alemão que defendia a ideia da propaganda anarquista pela ação, defendendo ações violentas contra políticos e também dirigentes radicais das empresas capitalistas!
Alexander conheceu Emma no Café Sachs, de Nova Iorque, no ano de 1889, quando ele tinha apenas 19 anos. Eles trocaram ideias, apaixonaram-se e ficaram juntos por quase toda a vida. Eles ficaram impressionados pelo fato de ambos serem judeus da Lituânia, e de ambos terem lido o mesmo livro, do escritor russo Tchernyshevsky.

Alexander Berkman apresentou Emma para o conferencista Johann Most, que lhe ensinou a arte da oratória e como discursar em público. Inclusive, Emma e Alexander moraram juntos, por algum tempo, numa comunidade rural em Woodstock, no Estado de Illinois. Emma costumava chamar Alexander de Sascha, seu apelido de infância.
Tudo ia muito bem para o jovem casal apaixonado até que eles resolveram se mudar novamente para o Estado de Massachusetts. Em 1892 Emma, Alexander e um primo seu, chamado Aronstam, mudaram-se para a cidade de Worcester, em Massachusetts, para trabalhar em uma lanchonete.
Em julho de 1892 aconteceu uma greve conturbada, na Companhia de Aço Carnegie, Pensilvânia, que atraiu a atenção nacional quando o seu gerente antissindicalista, Henry Clay Frick, resolveu reprimir violentamente a greve dos trabalhadores. Houve um tiroteio durante 11 horas e, no final, quatro guardas e nove grevistas foram mortos!
Ilustração mostra Berkman entrando no escritório de Frick

Esta pareceu ser a oportunidade que Emma e Alexander estavam esperando para fazer propaganda da causa anarquista e fazer os trabalhadores se revoltarem contra o Sistema Capitalista. Resolveram então assassinar o gerente da empresa, Henry Clay Frick. Para realizar o atentado, Berkmam arranjou um revolver e viajou, junto com seu primo Aronstam, para Pittsburgh. Emma insistiu em participar do ato, mas Berkman não permitiu.
No dia 23 de julho de 1892 Alexander invadiu o escritório de Frick e, não só lhe desferiu dois tiros, como ainda lhe deu mais três facadas!
Frick ficou apenas ferido, mas não morreu. Muitos anarquistas dos EUA condenaram o atentado, que falhou ao inspirar as massas para um levante popular. Aronstam, que ainda não havia sido preso, assustou-se com a repercussão das notícias e decidiu fugir para Nova Iorque.
Berkman trabalhando no Mother Earth em 1912

Os anarquista dos EUA estavam divididos quanto à validade do ato de propaganda de Alexander, enquanto alguns se colocaram a seu favor, outros ficaram contra, como o seu antigo patrão Johann Most, que condenou a tentativa de assassinato, mesmo porque, Henry Frick não havia sido morto e o objetivo do ato não tinha sido alcançado.
Berkman ficou preso durante dois meses, antes do seu julgamento, e Emma o visitou na prisão com uma identidade falsa. Durante o seu julgamento, Berkman dispensou o advogado, mas requisitou o auxilio de um tradutor de alemão, pois ainda falava mal o idioma inglês. No final do julgamento, ele foi condenado a 22 anos de cadeia, dos quais completou 14 anos de reclusão, saindo apenas em 1906, debilitado e com 36 anos de idade.
Durante o seu tempo na prisão, Berkman escreveu o livro “Memórias de um Anarquista Aprisionado”. Sua companheira, Emma Goldmam, que estava com apenas 23 anos de idade, quando ele foi preso, o visitou diversas vezes.
Emma Goldman

Nos dez anos que se seguiram Emma resolveu fazer várias palestras, viajando pelos EUA, e aproveitando o seu dom da retórica, que ela havia aperfeiçoado com o conferencista Johann Most.
O “Pânico de 1893” foi uma grave depressão econômica, que aconteceu nos EUA, e que levou à uma série de falências de bancos. A taxa de desemprego alcançou 20%. Emma aproveitou esta ocasião para fazer uma famosa palestra em Nova Iorque, onde discursou na grande Praça Union, (Union Square, em Manhattan), para uma plateia com mais de 3.000 trabalhadores! Nesta palestra ficou famosa a sua frase: “Manifestem-se diante dos palácios dos ricos, e exijam emprego. Se eles não lhe derem emprego, exijam pão. Se eles lhe negarem ambos, tomem o pão!”.
Uma semana depois deste discurso, Emma foi presa e acusada de incitar uma insurreição! Ela foi sentenciada a um ano de prisão na Penitenciária da Ilha Blackweel, onde acabou pegando um forte reumatismo. Mas, também aproveitou este tempo para estudar enfermagem e ler alguns livros de escritores americanos famosos, tais como Ralph Emerson, Henry Thoreau, Walt Whitman e John Stuart Mill.
Emma discursando para centenas de pessoas em Nova Iorque

Quando Emma foi solta, em 1894, uma multidão de pessoas veio recepcioná-la, e ela foi convidada para várias entrevistas e conferências. Para conseguir dinheiro Emma decidiu se dedicar à profissão de enfermeira, que havia começado a estudar na prisão. Resolveu então viajar de navio para estudar enfermagem na Europa, onde também poderia realizar algumas conferências.
Na Europa, Emma entrou em contato com outros anarquista famosos, como Errico Malatesta, Louise Michel e Piotor Kropotkin. Conseguiu também receber dois certificados de enfermagem em Viena, na Áustria. Retornou depois para os Estados Unidos.
Hippolyte Havel

Nos Estados Unidos, Emma dedicou-se à sua profissão de enfermeira e também às palestras pelos EUA, como oradora libertária. Viajou depois, em novembro de 1899, para a Inglaterra, onde encontrou-se com o anarquista inglês Hippolyte Havel, com quem teve um relacionamento amoroso. Juntos viajaram para a França, onde ajudaram na organização do famoso Congresso Anarquista Internacional de Paris. Emma e Havel voltaram juntos para os EUA, onde Havel foi militante anarquista e também editor da revista Mother Earth.
Depois da virada do século, em 06 de setembro de 1901, na cidade de Buffalo, um anarquista chamado Leon Czolgosg, atirou duas vezes no Presidente dos Estados Unidos, William Mc Kinley, que morreu oito dias depois. Ao ser preso, Leon disse que ficou inspirado a agir assim depois que assistiu uma palestra da conferencista Emma Goldman, em Nova Iorque. A polícia acusou Emma de cumplicidade e a manteve presa por duas semanas, mesmo sem as provas. Emma foi solta depois, mas Leon foi julgado e executado.
Gravura mostra Mc Kinley sendo assassinado por Leon

Após estes acontecimentos Emma manteve-se reclusa, dedicando-se unicamente à sua profissão de enfermeira. Decidiu voltar à ativa em 1903 depois que o Congresso Americano aprovou os Atos de Exclusão dos Anarquistas, que impediam a entrada nos EUA de anarquistas imigrantes e permitia expulsar os anarquistas e comunistas imigrantes para os seus países de origem! Emma efetuou algumas palestras contra estes atos do Congresso, dizendo que eles feriam a Lei de Liberdade de Expressão.
Em 1906, Alexander Berkman foi solto, mas estava fisicamente abalado e sofria de depressão. Junto com Emma, decidiram fundar a Revista Mother Earth, (Mãe Terra), que durante muito tempo foi um grande referencial para os anarquistas e livre pensadores de todo os EUA.
Primeira edição do Mother Earth

O primeiro número desta revista saiu em março de 1906, com uma tiragem de 3.000 cópias. Esta importante revista continuou a ser publicada mensalmente até agosto de 1917. Grandes pensadores, filósofos e escritores anarquistas e libertários contribuíram, com seus artigos, para o sucesso desta publicação, como por exemplo Leo Tolstoy, Will Durant, Ricardo Flores, Maxim Gorki, Piotr Kropotkin, Errico Malatesta, Eugene O’ Neill (Premio Nobel de Literatura de 1936), Elisée Reclus, Rudolf Rocker, Margaret Sanger, Max Nettlau, Leonard Dalton, e também o próprio Hippolite Havel, que era redator deste importante periódico. Naturalmente, os artigos escritos por Emma e Alexander Berkman tinham um bom destaque nestas publicações, contribuindo assim para aumentar a sua fama no meio libertário e anarquista dos EUA.
Mas, o relacionamento entre Emma e Alexander já não ia mais tão bem. Alexander estava começando a se interessar por outras mulheres mais jovens e Emma já não o amava mais. Isto não os impediu de ficarem juntos pelo resto da vida, existindo ainda uma grande amizade e colaboração entre ambos, afinal de contas, eles compartilhavam das mesmas ideias e pensamentos anarquistas.
Em 1910 e 1911 Emma lançou mais três livros chamados “Anarquismo e outros ensaios”, “Casamento e Amor” e “Psicologia da Violência Policial”. Numa época em que ainda não existia a televisão, a leitura era uma das distrações mais populares, e estes livros tiveram um relativo sucesso de vendas.
Escola Moderna de Nova Iorque em 1912

Enquanto isso, Berkman estava começando a sofrer de depressão, com tendências suicidas, que apareceram desde quando ele começou a cumprir a sua pena na prisão. Berkman também se interessou por uma jovem anarquista chamada Becky Edelsohn. Ele também ajudou a criar a Escola Moderna de Nova Iorque, que incentivava o pensamento crítico e independente dos alunos, e praticava a pedagogia libertária, inventada em Barcelona pelo anarquista espanhol Francisco Ferrer. Esta escola também serviu de local de encontro para anarquista e libertários. Em 1912 Berkman escreveu um livro chamado “Memórias de um anarquista”.
Em 20 de abril de 1914 ocorreu o famoso Massacre de Ludlow, quando a Guarda Nacional do Estado do Colorado reprimiu duramente os grevistas, mineradores de carvão, causando a morte de 26 pessoas, entre elas 11 crianças. Uma das empresas envolvidas pertencia à famosa Família Rockefeller, composta por milionários ricos e politicamente influentes. 

Berkman liderou uma série de protestos contra John Rockfeller Junior, que resultaram na prisão e espancamento de vários anarquistas.
No final do ano de 1915 Berkman mudou-se para São Francisco, na Califórnia, onde fundou a sua própria revista anarquista chamada “The Blast”, que funcionou durante 18 meses.
No dia 22 de julho de 1916 ocorreu um atentado à bomba num desfile, na cidade de São Francisco, que marcava os preparativos para a entrada dos EUA na Primeira Guerra Mundial. Neste atentado, conhecido como “Atentado de Preparedness Day”, morreram 10 pessoas e 40 ficaram feridas! Berkman foi detido, mas, como não existiam provas contra ele, foi solto logo depois.
Em 1917, com a entrada dos EUA na Primeira Guerra Mundial, o Congresso aprovou o Ato de Alistamento Militar Seletivo, que tornava o alistamento obrigatório para todos os homens entre 21 e 30 anos.
Emma durante a Primeira Guerra Mundial

Berkman decidiu voltar para Nova Iorque onde, ao lado de Emma Goldman, organizou a Liga Anti-Alistamento, dizendo que “os anarquistas estavam contra, porque eram antimilitaristas e não apoiavam as guerras preparadas pelos governos capitalistas”.
Em 15 de julho de 1917 Emma e Berkman foram presos, em seu escritório de Nova Iorque, quando a polícia encontrou um grande material de propaganda anarquista. A dupla foi processada por causa da sua militância contra o Alistamento Obrigatório e, com base na Lei de Espionagem, Berkman foi condenado a dois anos de prisão! Berkman cumpriu sua pena na Penitenciária de Atlanta.
Quanto a Emma Goldman, ela também foi condenada a dois anos de prisão, e cumpriu a sua pena na Penitenciária Estadual do Missouri. Goldman foi solta em 27 de setembro de 1919.
A Divisão de Inteligência do Departamento de Justiça Americano, comandada por Edgar Hoover, estava prendendo os anarquistas e radicais, porque o governo estava com medo da ameaça comunista!
John Edgar Hoover foi o criador do FBI

Em 1919, o presidente americano Woodrow Wilson nomeou Mitchel Palmer como seu Procurador Geral. Palmer recrutou John Edgar Hoover como seu assistente e, juntos, eles lançaram uma grande campanha nacional contra as organizações radicais e de esquerda.
Em 07 de novembro de 1919, mais de 10.000 anarquistas e comunistas foram presos sob a acusação de que estariam planejando um golpe para derrubar o Governo Americano!
Berkman, Emma Goldman, e mais uma amiga anarquista, chamada Mollie Steimer, foram presos juntos. Os três foram acusados de simpatizantes da causa bolchevista e, juntamente com mais 245 outras pessoas, foram deportados para a Rússia!
Ao chegarem na Rússia, Emma e Berkman foram residir na cidade de São Petersburgo, onde já haviam morado durante a sua adolescência. Num primeiro momento, eles se maravilharam com as pessoas e os ideais que fizeram a Revolução Bolchevista de 1917, mas, com o passar do tempo, eles foram vendo que a realidade era bem diferente da teoria.
Lenin falando para o povo russo durante a Revolução Bolchevista

Emma e Berkman viajaram pelo interior do país, onde encontraram repressão, corrupção, má administração e os operários trabalhando em condições severas. Isto fez com que eles percebessem que uma elite de políticos e funcionários públicos havia se apoderado da máquina estatal na Rússia para o seu próprio benefício. Começaram então a criticar o sistema político do país.
No final de 1920, eles tiveram um encontro reservado com Vladimir Lenin, que lhes assegurou que a supressão das liberdades de imprensa era plenamente necessária e justificável, por causa do período revolucionário em que eles estavam vivendo.

Em fevereiro de 1921 morreu o grande teórico do anarquismo Piotr Kropotkin, na cidade de Dimitrov, situada ao norte de Moscou. Milhares de anarquistas da Rússia, e também alguns de outros países, se dirigiram a Dimitrov, para dar adeus ao grande libertário. Este foi o último grande encontro de anarquistas da Rússia, depois do qual, eles foram perseguidos pelas forças de repressão do governo soviético.
Em março de 1921, algumas greves aconteceram na cidade de São Petersburgo e se ampliaram para a cidade portuária de Kronstadt. Os marinheiros da cidade de Kronstadt se amotinaram e, entre suas reivindicações, estava a inclusão dos grupos anarquistas no Governo Russo. 
Marinheiros amotinados de Kronstadt exigindo reformas políticas

Houve uma terrível batalha entre manifestantes, marinheiros e as tropas do governo, na qual milhares de pessoas foram mortas e presas. Isto serviu para que Emma e Berkman se desiludissem e percebessem que já era hora de abandonar aquele país conturbado e se mudar para Berlin, na Alemanha.
Na Alemanha, Emma foi contratada pelo jornal New York World, pertencente ao jornalista húngaro Joseph Pulitzer, para escrever alguns artigos, que depois se transformaram em dois livros: “Minha desilusão na Rússia”, lançado em 1923, e o livro “Minha nova desilusão na Rússia”, lançado em 1924.
Mollie Steimer, a amiga anarquista deles, veio se juntar ao grupo em setembro de 1924, depois de ter sido deportada da Rússia por causa dos seus protestos. Steimer, ao chegar em Berlim, afirmou que “na Rússia uma grande revolução popular foi usurpada por uma elite política implacável”.
Anarquista escocês James Colton


Em setembro de 1924 Emma resolve se mudar para Londres, onde se casou com o anarquista escocês James Colton, que se ofereceu para ajudá-la a conseguir a cidadania britânica. Ela aproveitou a sua cidadania britânica para conseguir viajar depois para a França e o Canadá. 
Em janeiro de 1925 Berkman publica o seu livro “O Mito Bolchevique”, onde nele conta as suas experiências na Rússia, depois que foi deportado dos EUA. O livro narra o seu entusiasmo inicial com a Revolução de Outubro de 1917, e a sua posterior desilusão. Em 1925 Berkman se muda da Alemanha para a França.
Mais tarde Berkman viajou para o Canadá, em 1927, para acompanhar de perto as repercussões do caso dos anarquistas italianos Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, presos na cidade de Boston. Eles foram condenados à morte e eletrocutados em agosto de 1927.
Anarquistas italianos Sacco e Vansetti eletrocutados em 1927 nos EUA
Quanto a Emma, em 1928 ela recebeu uma quantia de 4.000 dólares para escrever a sua autobiografia. Alugou então uma casa em Saint-Tropez, no litoral da França, onde passou dois anos escrevendo as suas memórias! Seu livro recebeu o nome de “Vivendo a minha vida”, e foi lançado em dois volumes.
Emma escrevendo a sua autobiografia na França

Em 1929 Alexander Berkman lançou o seu famoso livro “ABC do Anarquismo Comunista”, sob o patrocínio da Federação Anarquista Judaica de Nova Iorque, onde ele narra, de maneira simples, os detalhes do anarco-comunismo.
No ano de 1930 a saúde de Berkman começa a piorar, por causa de problemas em sua próstata. Ele procurou trabalhar apenas como editor e tradutor. Em fevereiro e março de 1936 ele é submetido a duas operações da próstata, e ficou na cidade de Nice, na França, aos cuidados da sua então companheira Emmy Eckstein. Sentindo muitas dores, ele resolveu cometer suicídio com um revólver, mas, não morreu de imediato. Ele ainda foi levado para o hospital, onde morreu na noite de 27 de julho de 1936.
Berkman no fim da vida, junto com Emma, em Nice

Emma Goldman, que também estava na França, ainda viajou para Nice, onde providenciou o funeral de Berkman. Ele morreu alguns dias antes de ver os princípios anarquistas sendo postos em prática, na Revolução Civil Espanhola de 1936.
Quanto à Emma, que agora já estava com 67 anos de idade, foi viver em Toronto, no Canadá, na região do Lago Ontário, perto da cidade de Rochester, onde ficava a antiga casa da sua família, no território americano.
Em 1934 o famoso escritor chinês Ba Jin escreveu seu livro “O clamor do meu espírito”, e dedicou-o à Emma Goldman, a qual qualificou como sendo sua mãe espiritual. Eles estavam trocando cartas já fazia um bom tempo.
Em julho de 1936 teve início a Revolução Espanhola, onde os anarquistas espanhóis lutaram contra as forças fascistas. O anarquismo se espalhou entre os operários da região da Catalunha à partir de 1840. A Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNT) tinha uma tendência anarcossindicalista, pois acreditava na auto-gestão das empresas por parte dos trabalhadores. Na Espanha, nas regiões da Catalunha e Aragão, estava sendo implantada uma economia anarquista solidária!
Em 1936, Emma foi convidada a ir para Barcelona pela Confederação Nacional do Trabalho (CNT) e pela Federação Anarquista Ibérica (FAI). Pela primeira vez na vida ela pode conviver em uma comunidade anarquista administrada e direcionada para os anarquistas.
Emma Goldman entre os anarquistas da Espanha, em 1936
Na Espanha Emma foi muito bem recepcionada, e começou a escrever semanalmente o Boletim Informativo da CNT-FAI. Na Espanha existiam dois grupos políticos principais que competiam entre si: os falangistas, que apoiavam o nazi-fascismo, e eram defendidos pela igreja, grandes latifundiários, militares de direita; e a frente popular, que era composta pelos comunistas, sindicalistas, anarquistas e socialistas. 
Cena do filme "Terra e Liberdade", de 1995, sobre a Guerra Civil na Espanha

Com a renúncia do Rei Afonso XIII, foi proclamada a República dos Trabalhadores, que tinha uma grande quantidade de anarquistas, e foi duramente combatida pelo exército fascista de Franco, com a ajuda militar de Hitler e Mussolini.
Goldman começou a se preocupar com o futuro do anarquismo na Espanha quando a CNT-FAI começou a fazer um governo de coalizão com as forças comunistas, em 1937, em prol da luta contra o fascismo. A Rússia se recusou a continuar enviando armas para os anarquistas da Espanha, e a França fechou as suas fronteiras, para os anarquistas não procurarem abrigo no território francês. Os britânicos e os americanos fizeram vistas grossas para o terrível massacre que aconteceu no final da guerra.
General Franco e o seu amigo nazista Hitler

Nesta época, Emma retornou para Londres, e começou a escrever para o periódico “A Espanha e o Mundo”, que era focado na Guerra Civil. Emma protestou quando as forças comunistas também atacaram as tropas anarquistas e algumas comunidades. Mais tarde as forças nacionalistas do General Franco declararam sua vitória em 1939. Assim, ela sentiu-se desapontada com a humanidade e solitária, o que a fez abandonar tudo e voltar para o Canadá.
Quando completou 70 anos de idade o ex-secretário geral da CNT-FAI, Mariano Vásquez, enviou-lhe uma mensagem de agradecimento, pela sua contribuição na Guerra Civil Espanhola e nomeando-a “nossa mãe espiritual”.
Quando a Segunda Guerra começou na Europa, Emma reiterou sua oposição aos governos totalitários de Hitler, Stalin, Mussolini e Franco, mas, também disse que: “não poderia apoiar uma guerra contra eles feita por democracias que eram, na verdade, regimes fascistas disfarçados”.
No dia 17 de fevereiro de 1940 Emma sofreu um derrame, que paralisou todo o seu lado esquerdo do corpo, deixando-a impedida de falar. No dia 08 de maio ela sofreu mais um sério derrame, e faleceu seis dias depois, na cidade de Toronto, no Canadá.

Frente à pressão da opinião pública, o Serviço de Imigração Americano permitiu que o seu corpo fosse trazido para os Estados Unidos, onde foi velado e enterrado, no mesmo cemitério de Chicago em que se encontravam os corpos dos anarquistas mortos na Revolta de Haymarket.
Emma Goldman contribuiu para diversos campos da filosofia política moderna e influenciou alguns escritores anarquistas do seu tempo. Ela acreditava que o movimento em busca da libertação humana precisava ser levado adiante por pessoas defensoras da liberdade. Ela defendia o direito de todos terem acesso às coisas radiantes e belas!
Anarcofeminismo

Emma era uma ateia, pois considerava a religião um instrumento de dominação popular, e culpava o Cristianismo pela perpetuação de uma sociedade escravista. Também acreditava que o Sistema Econômico Capitalista era inimigo da liberdade humana. Ela defendia a emancipação feminina, o amor livre, os métodos contraceptivos e foi uma das fundadoras do anarcofeminismo. Combateu a perseguição aos homossexuais e defendia o amor entre eles.
Emma enxergava o Estado como um meio de controle e dominação do povo. Acreditava que o voto gerava uma ilusão de participação do povo na política, e que as lutas sociais tinham que ser feitas através das greves, protestos e da ação direta contra as autoridades políticas imorais que cometiam abusos.

De qualquer forma, tanto Emma Goldman como Alexander Berkman, foram pessoas atuantes e participativas, que viveram intensamente as suas vidas, e deixaram os seus nomes gravados na história do anarquismo mundial.


Anarquistas ilustres da história mundial



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